segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Sampa, aí vou eu!!!


Devo passar uns dias ausentes daqui. Tô viajando amanhã para participar do 33º Congresso Nacional de Jornalismo, em São Paulo. Expectativa é o que não me falta. Acho que esse congresso vai ser uma experiência fantástica, pelo menos assim eu espero. Vou como estudante, é claro, mas logo em breve outros congressos virão em que vou como "Jornalista Sindicalizada".

Claro que aproveitando a estadia na "Terra da Garoa", vou à Bienal do Livro, que segundo a Su que já está lá desde o dia 8, está sendo tudo! Claro, ela já me fez a gentileza em investigar se algum escritor de minha preferência vai pousar por lá... e não é que terei o prazer de conversar com o Zuenir Ventura, ter meus livros (que já estão na mala) autografádos e ainda que muito rápido trocar umas idéias básicas? Isso eu conto depois da experiência, né?
Vou também à exposição dos 50 Anos da Bossa Nova, respirar Vinícius e mergulhar na história da bossa.
Se houver oportunidade escrevo de lá, caso o contrário, só quando eu voltar... Com a bagagem cheia de novidades.

Beijo enorme e até a volta!

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

E por falar em saudade...


Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade de um filho que estuda fora.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada;
se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial;
se ela aprendeu a estacionar entre dois carros;
se ele continua preferindo Malzbier;
se ela continua preferindo Margarita;
se ela continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados;
se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor;
se ela continua cantando tão bem; se ela continua detestando o Mc Donald's;
Se ele continua amando;
Se ela continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos;
Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
Não saber como frear as lágrimas diante de uma música;
Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer;
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...


Miguel Falabella (Saudade)

terça-feira, 12 de agosto de 2008


"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem"
Guimarães Rosa




E justamente por falta dessa "coragem", é que muitas vezes deixei a vida passar, permiti que pessoas importantes partissem, não experimentei a felicidade sem que antes pudesse ao menos tentar, fazendo com que essa tal felicidade tão almejada por todos pudesse escorrer por entre meus dedos como grãos de areia.Tive medo! Mas aos poucos, noto uma mudança significativa em minha vida, nos meus projetos, nos meus sonhos.Coragem de amar, coragem de lutar, coragem ser quem sou, coragem simplesmente de ser feliz! É possível, basta acreditar!

domingo, 10 de agosto de 2008

O que é a paixão!

Certa vez, depois de muita discussão, alguém falou que essa seria a melhor definição de “paixão”... Muito mais até do que todas as composições que Vinícius, o Poeta da Paixão, foi capaz de escrever. Devo reconhecer que de fato, essa pessoa estava corretíssima!
Como hoje tô saudosa e mais apaixonada que de costume, aí vai a tal definição de saudade, composta por Chico Buarque: O que será (À flor da pele).
Tenham todos um lindo domingo e uma semana abençoada!
O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receitaO que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limiteO que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

"A ausência torna o coração mais amante"

(Sexto Aurélio Propércio - Poeta latino - 47/ 15 a.C.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Esse texto que resolvi postar é de autoria de uma pessoa especial que tem na verdade, não se revelado uma grande escritora, mas resolveu desenterrar os dons que Deus lhe deu e que guradava somente para si. Uma pessoa de uma grande sensibilidade e que apresento a vocês agora: Andréia Rocha, minha escritora preferida! E esse post em especial me tocou bastante.
Tenham todos um lindo final de semana!!!
O que os olhos não vêem... o coração ainda enxerga
Ela tinha os olhos imóveis, como duas portas escancaradas e com as dobradiças quebradas. A dor enferrujara as pálpebras. Estava em estado de alerta. Todos os dias, um desespero habitual fazia-lhe cerrar os olhos em busca do sono, pois dormir era a anestesia mais eficaz para sua alma.
Mas o rangido dos olhos, ao tentar fechá-los, afugentava todo e qualquer sono. Afugentava o sono da auto-enganação, do amenizar o que era impossível estreitar a dimensão. O que sentia era grande, pesado, intenso. Impossível de fugir.
Os olhos não viam, porém os pensamentos alcançavam. Traziam para junto de si cada detalhe... ressoavam a voz, as risadas, os sussurros. Pensar para ela era mais que relembrar, era viver pela milésima vez, bilionésima, enfim. E com um detalhe: nos pensamentos o fim não existia e, se porventura existisse, seria apenas pelo tocar inesperado do telefone, por exemplo, e não pela fatídica hora do dizer adeus.
O adeus fora dito há algum tempo . Os olhos ouviram, mas os pensamentos não. Hoje não se vê, mas ainda se sente. Contradição do bobo ditado popular. O que se guarda dentro não escapa pelo redemoinho de fora.
A.R

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Viva!


Já perdoei erros quase imperdoáveis, tentei substituir pessoas insubstituíveis e esquecer pessoas inesquecíveis. Já fiz coisas por impulso, já me decepcionei com pessoas quando nunca pensei me decepcionar, mas também decepcionei alguém. Já abracei para proteger, já dei risada quando não podia, fiz amigos eternos, amei e fui amado, mas também fui rejeitado, fui amado e não amei. Já gritei e pulei de tanta felicidade, já vivi de AMOR e quebrei a cara muitas vezes! Já CHOREI ouvindo música e vendo fotos, já liguei só para ouvir a voz, me apaixonei por um sorriso, já pensei que fosse morrer de tanta saudade, tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo)! Mas vivi! Viva! Não passo pela vida... você também não deveria passar! Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida e viver com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito para ser insignificante."
Charles Chaplin

quarta-feira, 30 de julho de 2008


As aulas começaram e com elas a sensação de que o curso e o que está por vir têm se mostrado pra mim cada vez mais desafiantes.
É o sonho em se tornar uma grande jornalista (e isso depende tão somente de mim), os testemunhos de experiências vividas pelos professores, o mercado lá fora, os comentários de colegas quando falam que lá fora e dentro das redações é “cobra engolindo cobra”, enfim, a incerteza e a ansiedade em saber se será possível sobreviver a tudo isso.
Tenho me percebido vez por outra, tomada por uma angústia e ao mesmo tempo de uma enorme alegria em saber que já se aproxima o dia em que vou, de fato, viver a profissão na pele.
Uma vontade enorme de vencer e superar todos os obstáculos e sei que serão muitos. Acredito que nos próximos dias (19 a 24 de agosto), quando vou participar em São Paulo do 33º Congresso Nacional dos Jornalistas, algumas idéias vão florescer na minha cabecinha. Acho que vai ser bom, expectativas é o que não me faltam.
Bom, esse desabafo é pra dizer que estou com todo gás e espero aproveitar bem o semestre. Agora é estudar... estudar!

Que venham os desafios!

Beijo enorme!

segunda-feira, 21 de julho de 2008

PARABÉNS A TODOS OS MEU AMIGOS!


Parabéns a todos os meus amigos! Agradeço a cada um por fazerem parte da minha vida! E para homenageá-los, eu não poderia deixar de citar aqui o meu Poetinha Vinícius de Moraes. Beijo enorme! Sintam-se fortemente abraçados! Linda semana!

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinícius de Moraes

terça-feira, 8 de julho de 2008

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".
Fernando Pessoa

domingo, 6 de julho de 2008

De repente 30


'Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer'.

(Balzac)


É, hoje amanheci mais madura... Uma sensação de que, só agora, a vida está começando pra mim.

Momento de repensar a vida e colocar como prioridade alguns projetos que andam estacionados no pensamento. A vida passa rápido e o tempo, "senhor tão bonito", escorre por entre os dedos como grãos de areia e, antes que acabe o último grão é preciso que se viva cada momento. Nos anos anterioriores, talvez eu tenha deixado que muitas chances, muitos sonhos escorresse por entre meus dedos, mas o que importa é que hoje decidi de fato, lutar por meus sonhos, pondo de lado meus medos, minhas angústias e tentar tirar proveito do que for bom e do que não acontecer como planejei também.

Os sonhos são muitos e os medos também. Acho que essa é uma característica forte da minha pessoa: meus medos. Mas isso eu administro, né?

Bem, o que importa é que hoje é um dia muitíssimo feliz pra mim, como costuma ser todo ano em que celebro o dom da minha vida.

30 anos de muita coisa pra contar. Muitos sonhos, alegrias, vitórias, derrotas, relacionamentos que não deram certo mas que me deixaram grandes lições, perda de pessoas amadas que se foram mas que continuam com um lugar muito especial em meu coração, enfim, minha vida daria um livro. Quem sabe futuramente alguém não resolve escrever minha biografia, né?

O que importa agora é correr atrás de meus objetivos. Sonho em ser jornalista, ter uma velhice tranquila e mais ainda, que nunca me faltem os amigos. E por falar neles, ontem comemorei ao lado de pessoas amadas por demais e que de maneira individual representam coisas boas na minha história. Aos que estiveram comigo ontem, agradeço de forma muito especial: Suzana (obrigada por fazer parte da minha história), Carol, Ciana, Josiane, Tici, Carlinha, Tia Paulinha, Souza, Romulo, Solzinha, Cokinha, Eva, Lila, Peks, Mila, Júnior Valente e Felipe. Ah, e por falar nele, vocês precisam ler o post de aniversário que ele fez pra mim: http://www.simplicidade-simplicidade.blogspot.com/. Aos que não estiveram comigo ontem, agradeço também por fazerem parte da minha vida.


Termino escrevendo o trecho de uma música que faz parte desse blog e que é a minha cara: "ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais, hoje me sinto mais forte mais feliz quem sabe, só levo a certeza de que muito pouco eu sei, ou nada sei..."



quarta-feira, 25 de junho de 2008

Férias... mas só da Faculdade!


Gente, nem acredito. Finalmente tô de férias da faculdade. E por acaso esse semestre que passou foi super frutífero. Descobri-me apaixonada por Radiojornalismo, o que me fez decidir que minha monografia será qualquer coisa sobre o rádio e claro, vou pedir a professora Rosane para ser minha orientadora. Isso se ela aceitar, é claro!

Precisei enfrentar a cadeira de Leitura e Produção Textual III mais uma vez e desta vez não pude me livrar do D.Quixote de La Mancha... Aquele que no terceiro semestre me fez sair reprovada. O melhor de tudo é que gostei de ter lido Cervantes e descobri que trago dentro de mim um pouco da alma Dom Quixoteana. Sobre esse assunto depois passo por aqui e explico... agora preciso me curar do trauma de não só ter lido Dom Quixote, mas também Teresa Batista, Todo DJ já sambou e mais um monte de trabalho, contos, reportagens, cronicas, artigos...aff, a querida mestra botou foi pra f....!!!

No mais foi tudo tranquilo. Não vejo a hora de recomeçarem logo as aulas só pra matar a saudade da Turma do Carrossel (isso eu também comento depois).

Resta-me agora só aguentar a Assembléia, visto que por aqui, a palavra férias não existe.

Ah, para essas férias da faculdade escolhi alguns livros. Já terminei o "1968 - o que fizeram de nós", já comecei o "1968 - O ano que não terminou", ambos do grande Zuenir Ventura e o 1808 que comprei, não lembro o autor e já emprestei pra Ci, mas já vou pegar de volta. Depois, no final de tudo, passo por aqui e faço um balanço geral da leitura. Mas desde já, recomendo esses do Zuenir Ventura. Para nós que não vivemos naquela época é perfeito para entender o que se passou.

Vou ficando por aqui. Beijo enorme em todos!!!

sábado, 21 de junho de 2008

Sem Ana, Blues


"Quando Ana me deixou - essa frase ficou na minha cabeça, de dois jeitos - e depois que Ana me deixou. Sei que não é exatamente uma frase, só um começo de frase, mas foi o que ficou na minha cabeça. Eu pensava assim: quando Ana me deixou - e essa não-continuação era a única espécie de não continuação que vinha. Entre aquele quando e aquele depois, não havia nada mais na minha cabeça nem na minha vida além do espaço em branco deixado pela ausência de Ana, embora eu pudesse preenchê-lo - esse espaço branco sem Ana - de muitas formas, tantas quantas quisesse, com palavras ou ações. Ou não-palavras e não-ações, porque o silêncio e a imobilidade foram dois dos jeitos menos dolorosos que encontrei, naquele tempo, para ocupar meus dias, meu apartamento, minha cama, meus passeios, meus jantares, meus pensamentos, minhas trepadas e todas essas outras coisas que formam uma vida com ou sem alguém como Ana dentro dela.Quando Ana me deixou, eu fiquei muito tempo parado na sala do apartamento, cerca de oito horas da noite, com o bilhete dela nas mãos. No horário de verão, pela janela aberta da sala, à luz das oito horas da noite podiam-se ainda ver uns restos dourados e vermelho deixados pelo sol atrás dos edifícios, nos lados de Pinheiros. Eu fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, o último bilhete de Ana nas mãos, olhando pela janela os dourados e o vermelho do céu. E lembro que pensei agora o telefone vai tocar, e o telefone não tocou, e depois de algum tempo em que o telefone não tocou, e podia ser Lucinha da agência ou Paulo do cineclube ou Nelson de Paris ou minha mãe do Sul, convidando para jantar, para cheirar pó, para ver Nastassia Kinski nua, pergunrando que tempo fazia ou qualquer coisa assim, então pensei agora a campainha vai tocar. Podia ser o porteiro entregando alguma dessas criancinhas meio monstros de edifício, que adoram apertar as campainhas alheias, depois sair correndo. Ou simples engano, podia ser. Mas a campainha também não tocou, e eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que começava a ficar azulada pela noite, feito o interior de um aquário, o bilhete de Ana nas mãos, sem fazer absolutamente nada além de respirar.Depois que Ana me deixou - não naquele momento exato em que estou ali parado, porque aquele momento exato é o momento-quando, não o momento-depois, e no momento-quando não acontece nada dentro dele, somente a ausência da Ana, igual a uma bolha de sabão redonda, luminosa, suspensa no ar, bem no centro da sala do apartamento, e dentro dessa bolha é que estou parado também, suspenso também, mas não luminoso, ao contrário, opaco, fosco, sem brilho e ainda vestido com um dos ternos que uso para trabalhar, apenas o nó da gravata levemente afrouxado, porque é começo de verão e o suor que escorre pelo meu corpo começa a molhar as mãos e a dissolver a tinta das letras no bilhete de Ana - depois que Ana me deixou, como ia dizendo, dei para beber, como é de praxe.De todos aqueles dias seguintes, só guardei três gostos na boca - de vodca, de lágrima e de café. O de vodca, sem água nem limão ou suco de laranja, vodca pura, transparente, meio viscosa, durante as noites em que chegava em casa e, sem Ana, sentava no sofá para beber no último copo de cristal que sobrara de uma briga. O gosto de lágrimas chegava nas madrugadas, quando conseguia me arrastar da sala para o quarto e me jogava na cama grande, sem Ana, cujos lençóis não troquei durante muito tempo porque ainda guardavam o cheiro dela, e então me batia e gemia arranhando as paredes com as unhas, abraçava os travesseiros como se fossem o corpo dela, e chorava e chorava e chorava até dormir sonos de pedra sem sonhos. O gosto de café sem açúcar acompanhava manhãs de ressaca e tardes na agência, entre textos de publicidade e sustos a cada vez que o telefone tocava. Porque no meio dos restos dos gostos de vodca, lágrima e café, entre as pontadas na cabeça, o nojo da boca do estômago e os olhos inchados, principalmente às sextas-feiras, pouco antes de desabarem sobre mim aqueles sábados e domingos nunca mais com Ana, vinha a certeza de que, de repente, bem normal, alguém diria telefone-para-você e do outro lado da linha aquela voz conhecida diria sinto-falta-quero-voltar. Isso nunca aconteceu.O que começou a acontecer, no meio daquele ciclo do gosto de vodca, lágrima e café, foi mesmo o gosto de vômito na minha boca. Porque no meio daquele momento entre a vodca e a lágrima, em que me arrastava da sala para o quarto, acontecia às vezes de o pequeno corredor do apartamento parecer enorme como o de um transatlântico em plena tempestade. Entre a sala e o quarto, em plena tempestade, oscilando no interior do transatlântico, eu não conseguia evitar de parar à porta do banheiro, no pequeno corredor que parecia enorme. Eu me ajoelhava com cuidado no chão, me abraçava na privada de louça amarela com muito cuidado, com tanto cuidado como se abraçasse o corpo ainda presente de Ana, guardava prudente no bolso os óculos redondos de armação vermelhinha, enfiava devagar a ponta do dedo indicador cada vez mais fundo na garganta, até que quase toda a vodca, junto com uns restos de sanduíches que comera durante o dia, porque não conseguia engolir quase mais nada, naqueles dias, e o gosto dos muitos cigarros se derramassem misturados pela boca dentro do vaso de louça amarela que não era o corpo de Ana. Vomitava e vomitava de madrugada, abandonado no meio do deserto como um santo que Deus largou em plena penitência - e só sabia perguntar por que, por que, por que, meu Deus, me abandonaste? Nunca ouvi a resposta.Um pouco depois desses dias que não consigo recordar direito - nem como foram, nem quantos foram, porque deles só ficou aquele gosto de vômito, misturados, no final daquela fase, ao gosto das pizzas, que costumava perdir por telefone, principalmente nos fins-de-semana, e que amanheciam abandonadas na mesa da sala aos sábados, domingos e segundas, entre cinzeiros cheios e guardanapos onde eu não conseguia decifrar as frases que escrevera na noite anterior, e provavelmente diziam banalidades, como volta-para-mim-Ana ou eu-não-consigo-viver-sem-você, palavras meio derretidas pelas manchas do vinho, pela gordura das pizzas -, depois daqueles dias começou o tempo em que eu queria matar Ana dentro de tudo aquilo que era eu, e que incluía aquela cama, aquele quarto, aquela sala, aquela mesa, aquele apartamento, aquela vida que tinha se tornado a minha depois que Ana me deixou.Mandei para a lavanderia os lençóis verde-clarinhos que ainda guardavam o cheiro de Ana - e seria cruel demais para mim lembrar agora que cheiro era esse, aquele, bem na curva onde o pescoço se transforma em ombro, um lugar onde o cheiro de nenhuma pessoa é igual ao cheiro de outra pessoa -, mudei os móveis de lugar, comprei um Kutka e um Gregório, um forno microondas, fitas de vídeo, duas dúzias de copos de cristal, e comecei a trazer outras mulheres para casa. Mulheres que não eram Ana, mulheres que jamais poderiam ser Ana, mulheres que não tinham nem teriam nada a ver com Ana. Se Ana tinha os seios pequenos e duros, eu as escolhia pelos seios grandes e moles, se Ana tinha os cabelos quase louros, eu as trazia de cabelos pretos, se Ana tivesse a voz rouca eu a selecionava pelas vozes estridentes que gemiam coisas vulgares quando estávamos trepando, bem diversas das que Ana dizia ou não dizia, ela nunca dizia nada além de amor-amor ou meu-menino-querido, passando dos dedos da mão direita na minha nuca e os dedos da mão esquerda pelas minhas costas. Vieram Gina, a das calcinhas pretas, e Lilian, a dos olhos verdes frios, e Beth, das coxas grossas e pés gelados, e Marilene, que fumava demais e tinha um filho, e Mariko, a nissei que queria ser loura, e também Marta, Luiza, Creuza, Júlia, Débora, Vivian, Paula, Teresa, Luciana, Solange, Maristela, Adriana, Vera, Silvia, Neusa, Denise, Karina, Cristina, Marcia, Nadir, Aline e mais de 15 Marias, e uma por uma das garotas ousadas da Rua Augusta, com suas botinhas brancas e minissaia de couro, e destas moças que anunciam especialidades nos jornais. Eu acho que já vim aqui uma vez, alguma dizia, e eu falava não lembro, pode ser, esperando que tirasse a roupa enquanto eu bebia um pouco mais para depois tentar entrar nela, mas meu pau quase nunca obedecia, então eu afundava a cabeça nos seus peitos e choramingava babando sabe, depois que Ana me deixou eu nunca mais, e mesmo quando meu pau finalmente endurecia, depois que eu conseguia gozar seco ardido dentro dela, me enxugar com alguma toalha e expulsá-la com um cheque cinco estrelas, sem cruzar ¿ então eu me jogava de bruços na cama e pedia perdão à Ana por traí-la assim, com aquelas vagabundas. Trair Ana, que me abandonara, doía mais que ela ter me abandonado, sem se importar que eu naufragasse toda noite no enorme corredor de transatlântico daquele apartamento em plena tempestade, sem salva-vidas.Depois que Ana me deixou, muitos meses depois, veio o ciclo das anunciações, do I Ching, dos búzios, cartas de Tarot, pêndulos, vidências, números e axés, ela volta, garantiam, mas ela não voltava - e veio então o ciclo das terapias de grupo, dos psicodramas, dos sonhos junguianos, workshops transacionais, e veio ainda o ciclo da humildade, com promessas à Santo Antônio, velas de sete dias, novenas de Santa Rita, donativos para as pobres criancinhas e velhinhos desamparados, e veio depois o ciclo do novo corte de cabelos, da outra armação para os óculos, guarda-roupa mais jovem, Zoomp, Mister Wonderful, musculação, alongamento, yoga, natação, tai-chi, halteres, cooper, e fui ficando tão bonito e renovado e superado e liberado e esquecido dos tempos em que Ana ainda não tinha me deixado que permiti, então, que viesse também o ciclo dos fins de semana em Búzios, Guarajá ou Monte Verde e de repente quem sabe Carla, mulher de Vicente, tão compreensiva e madura, inesperadamente, Mariana, irmã de Vicente, transponível e natural em seu fio dental metálico, por que não, afinal, o próprio Vicente, tão solícito na maneira como colocava pedras de gelo no meu escocês ou batia outra generosa carreira sobre a pedra de ágata, encostando levemente sua musculosa coxa queimada de sol e o windsurf na minha musculosa coxa também queimada de sol e windsurf. Passou-se tanto tempo depois que Ana me deixou, e eu sobrevivi, que o mundo foi se tornando ao poucos um enorme leque escancarado de mil possibilidades além de Ana. Ah esse mundo de agora, assim tão cheio de mulheres e homens lindos e sedutores interessantes e interessados em mim, que aprendi o jeito de também ser lindo, depois de todos os exercícios para esquecer Ana, e também posso ser sedutor com aquele charme todo especial de homem-quase-maduro-que-já-foi-marcado-por-um-grande-amor-perdido, embora tenha a delicadeza de jamais tocar no assunto. Porque nunca contei à ninguém de Ana. Nunca ninguém soube de Ana em minha vida. Nunca dividi Ana com ninguém. Nunca ninguém jamais soube de tudo isso ou aquilo que aconteceu quando e depois que Ana me deixou.Por todas essas coisas, talvez, é que nestas noites de hoje, tanto tempo depois, quando chego do trabalho por volta das oito horas da noite e, no horário de verão, pela janela da sala do apartamento ainda é possível ver restos de dourados e vermelhos por trás dos edifícios de Pinheiros, enquanto recolho os inúmeros recados, convites e propostas da secretária eletrônica, sempre tenho a estranha sensação, embora tudo tenha mudado e eu esteja muito bem agora, de que este dia ainda continua o mesmo, como um relógio enguiçado preso no mesmo momento - aquele. Como se quando Ana me deixou não houvesse depois, e eu permanecesse até hoje aqui parado no meio da sala do apartamento que era o nosso, com o último bilhete dela nas mãos. A gravata levemente afrouxada no pescoço, fazia e faz tanto calor que sinto o suor escorrer pelo corpo todo, descer pelo peito, pelos braços, até chegar aos pulsos e escorregar pela palma das mãos que seguram o último bilhete de Ana, dissolvendo a tinta das letras com que ela compôs palavras que se apagam aos poucos, lavadas pelo suor, mas que não consigo esquecer, por mais que o tempo passe e eu, de qualquer jeito e sem Ana, vá em frente. Palavras que dizem coisas duras, secas, simples, arrevogáveis. Que Ana me deixou, que não vai voltar nunca, que é inútil tentar encontrá-la, e finalmente, por mais que eu me debata, que isso é para sempre. Para sempre então, agora, me sinto uma bolha opaca de sabão, suspensa ali no centro da sala do apartamento, à espera de que entre um vento súbito pela janela aberta para levá-la dali, essa bolha estúpida, ou que alguém espete nela um alfinete, para que de repente estoure nesse ar azulado que mais parece o interior de um aquário, e desapareça sem deixar marcas."


Caio Fernando Abreu, do livro Os Dragões Não Conhecem O Paraíso

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Um encontro de almas




Foi como se lhe faltasse o chão. Era essa a sensação que sentia e que dilacerava seu coração.
A certeza daquele encontro tivera dias antes, quando alguma coisa falou em seu íntimo. Uma espécie de telepatia.
Na verdade, seus olhares fitaram-se pela primeira vez numa aula inaugural na faculdade. Foi como um encontro de almas. Algo inexplicável para ambas, porém, doce e singelo, deixando a impressão de eterno.
Foram apresentadas por acaso, através de um amigo em comum. Nos poucos momentos em que ficaram juntas, apesar de estarem rodeadas por pessoas, parecia só existir as duas naquele momento.
Maria era a mais empolgada. Há muito não se sentia assim. Conversaram por um tempo e acabaram descobrindo que havia muitas coisas em comum entre elas. Os mesmos gostos por músicas, lugares, leituras, poetas...
Marcaram então um próximo encontro. Dessa vez só as duas. Contavam horas e minutos para que o dia chegasse.
Finalmente o dia do encontro chegara. Dois dias após os olhares se encontrarem, parecia até uma eternidade até que se encontrassem pela segunda vez.
O local, um lugar à beira mar, onde se ouvia apenas o barulho das ondas quebrando por sobre as pedras e o canto das gaivotas que sobrevoavam as águas a procura de alimento. Ao fundo, poderia se contemplar um belíssimo pôr do sol.
Maria chegou ao local primeiro. Podia exalar o perfume da amada quando Carmen ainda se aproximava.
Assim como o encontro de olhares havia sido fatal, ao se aproximarem uma da outra, abraçaram-se demoradamente e sem mais nenhuma palavra, amaram-se incomensuravelmente ali mesmo, tendo apenas o mar e o sol como testemunhas.
Dali em diante iniciou-se uma linda e longa história de amor e cumplicidade.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Vou voltar!



Assim como essa música abaixo,vou voltar a postar por aqui. Faz tanto tempo que não compareço, que talvez os poucos leitores que possivelmente a menininha de vermelho possuía já devem ter ido embora. Próxima semana depois desse merecido feriado, volto fazendo um balanço geral dos últimos acontecimentos em minha vida. Fiquem agora com SABIÁ, uma composição de Chico e Tom, que ficou belíssima na interpretação da saudosa Nara Leão.



Beijos muitos!






Vou voltar sei que ainda
Vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra de uma palmeira
Que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos de me enganar
Como fiz enganos de me encontrar
Como fiz estradas de me perder
Fiz de tudo e nada de te esquecer
Vou voltar sei que ainda
Vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
eu não sou mais triste
E que a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Lua Adversa



Tenho fase, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu iterminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Cecília Meireles

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Saudade!!!

Domingo, 24 de fevereiro de 2008, mais precisamente 22h22. Noite linda de luar! Hoje estou assim... saudosa! Abaixo, mais uma do poeta Vinícius de Morais. Linda semana pra todos!
Canção para alguém

Foste na minha vida
Alguém que apareceu
Para findar a dor
Foste a mulher querida
Que o destino me deu
Para viver de amor
Foste esperança e magia
Sinceridade e poesia
Ponho nesta canção
Toda a minha emoção
Toda a sublimação do meu amor
Nela vai ternamente
O beijo mais ardente
Para a beleza da tua boca em flor
Eu a compus chorando
Nas noites cheias de luar
E tem a sinceridade
Que vive no meu olhar
Junto a ti deposita
A saudade infinita
Que eternamente habita em meu coração
Ela é tristeza… recordação

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Já estava com saudade de postar o Poetinha


Ausência

Vinícius de Moraes


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Rio de Janeiro, 1935


Tenham todos um lindo final de semana!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Um bom filho à casa torna...


Saudades desse lugar. Tirando minha eterna falta de tempo, o principal motivo por não ter passado por aqui ainda este ano, é que que descobri que, não bastasse as inúmeras privações que temos em acessar alguns endereços da internet lá da Assembléia, agora eles resolveram bloquear todo e qualquer tipo de blog %$#@*&¨%$@#*&@¨%@$. É f.... com PH. Como a maior parte do meu precioso tempo passo lá, fico agora impossibilitada de desabafar por aqui. Mas vou tentar ser o mais fiel possível. Claro, além de tempo é preciso também ter saco e vontade política e isso às vezes me falta...rsrsrsrsrsrs

Carnaval fiquei por aqui mesmo. Vendo filme, comendo pipoca, vendo as escolas de samba e torcendo pela minha gloriosa Mangueira, tomando umas e outras sozinha de vez em quando, o que me fez descobrir que definitivamente não tenho saco de beber sozinha e isso me deixou um bocado "deprê"... Deusuliv, a pessoa definitivamente descobriu que é incapaz de viver longe dos amigos. Acho que isso tem seu lado negativo. Quer dizer que quando acontecer de querer afogar as mágoas e não tiver ninguém por perto, eu não vou tomar todas, é iaaasso?? E cadê a minha teoria de que meu melhor amigo é o uísque? Nã... vou tentar fazer um intensivão na terapia e ver se mudo isso aí.

Bem, o fato é que hoje já é terça-feira de carnaval e se Deus quiser tudo vai correr na santa paz e amanhã terei meus xodós por perto.

Tava com saudade disso aqui. Agora, deixo meus possíveis leitores (e agora é pra valer: será que ainda os tenho?) com um conto que gosto muitíssimo e que me foi apresentado há algum tempo atrás. Tem tudo haver com o dia de hoje. É "Terça-feira Gorda", do Caio Fernando Abreu. Foi o primeiro conto dele que tive a oportunidade de ler e que depois me fez apaixonar por esse cara fantástico que foi o Caio. Depois, prometo que passo por aqui contando um pouco de sua história. Beijo enorme e até a próxima!



De repente ele começou a sambar bonito e veio vindo para mim. Me olhava nos olhos quase sorrindo, uma ruga tensa entre as sobrancelhas, pedindo confirmação. Confirmei, quase sorrindo também, a boca gosmenta de tanta cerveja morna, vodca com coca-cola, uísque nacional, gostos que eu nem identificava mais, passando de mão em mão dentro dos copos de plástico. Usava uma tanga vermelha e branca, Xangô, pensei, Iansã com purpurina na cara, Oxaguiã segurando a espada no braço levantado, Ogum Beira-Mar sambando bonito e bandido. Um movimento que descia feito onda dos quadris pelas coxas, até os pés, ondulado, então olhava para baixo e o movimento subia outra vez, onda ao contrário, voltando pela cintura até os ombros. Era então que sacudia a cabeça olhando para mim, cada vez mais perto.

Eu estava todo suado. Todos estavam suados, mas eu não via mais ninguém além dele. Eu já o tinha visto antes, não ali. Fazia tempo, não sabia onde. Eu tinha andado por muitos lugares. Ele tinha um jeito de quem também tinha andado por muitos lugares. Num desses lugares, quem sabe. Aqui, ali. Mas não lembraríamos antes de falar, talvez também nem depois. Só que não havia palavras. havia o movimento, a dança, o suor, os corpos meu e dele se aproximando mornos, sem querer mais nada além daquele chegar cada vez mais perto.

Na minha frente, ficamos nos olhando. Eu também dançava agora, acompanhando o movimento dele. Assim: quadris, coxas, pés, onda que desce, olhar para baixo, voltando pela cintura até os ombros, onda que sobe, então sacudir os cabelos molhados, levantar a cabeça e encarar sorrindo. Ele encostou o peito suado no meu. Tínhamos pêlos, os dois. Os pêlos molhados se misturavam. Ele estendeu a mão aberta, passou no meu rosto, falou qualquer coisa. O quê, perguntei. Você é gostoso, ele disse. E não parecia bicha nem nada: apenas um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o meu, que por acaso era de homem também. Eu estendi a mão aberta, passei no rosto dele, falei qualquer coisa. O quê, perguntou. Você é gostoso, eu disse. Eu era apenas um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o dele, que por acaso era de homem também.

Eu queria aquele corpo de homem sambando suado bonito ali na minha frente. Quero você, ele disse. Eu disse quero você também. Mas quero agora já neste instante imediato, ele disse e eu repeti quase ao mesmo tempo também, também eu quero. Sorriu mais largo, uns dentes claros. Passou a mão pela minha barriga. Passei a mão pela barriga dele. Apertou, apertamos. As nossas carnes duras tinham pêlos na superfície e músculos sob as peles morenas de sol. Ai-ai, alguém falou em falsete, olha as loucas, e foi embora. Em volta, olhavam.

Entreaberta, a boca dele veio se aproximando da minha. Parecia um figo maduro quando a gente faz com a ponta da faca uma cruz na extremidade mais redonda e rasga devagar a polpa, revelando o interior rosado cheio de grãos. Você sabia, eu falei, que o figo não é uma fruta mas uma flor que abre pra dentro. O quê, ele gritou. O figo, repeti, o figo é uma flor. Mas não tinha importância. Ele enfiou a mão dentro da sunga, tirou duas bolinhas num envelope metálico. Tomou uma e me estendeu a outra. Não, eu disse, eu quero minha lucidez de qualquer jeito. Mas estava completamente louco. E queria, como queria aquela bolinha química quente vinda direto do meio dos pentelhos dele. Estendi a língua, engoli. Nos empurravam em volta, tentei protegê-lo com meu corpo, mas ai-ai repetiam empurrando, olha as loucas, vamos embora daqui, ele disse. E fomos saindo colados pelo meio do salão, a purpurina da cara dele cintilando no meio dos gritos.

Veados, a gente ainda ouviu, recebendo na cara o vento frio do mar. A música era só um tumtumtum de pés e tambores batendo. Eu olhei para cima e mostrei olha lá as Plêiades, só o que eu sabia ver, que nem raquete de tênis suspensa no céu. Você vai pegar um resfriado, ele falou com a mão no meu ombro. Foi então que percebi que não usávamos máscara. Lembrei que tinha lido em algum lugar que a dor é a única emoção que não usa máscara. Não sentíamos dor, mas aquela emoção daquela hora ali sobre nós, eu nem sei se era alegria, também não usava máscara. Então pensei devagar que era proibido ou perigoso não usar máscara, ainda mais no Carnaval.

A mão dele apertou meu ombro. Minha mão apertou a cintura dele. sentado na areia, ele tirou da sunga mágica um pequeno envelope, um espelho redondo, uma gilette. Bateu quatro carreiras, cheirou duas, me estendeu a nota enroladinha de cem. Cheirei fundo, uma em cada narina. Lambeu o vidro, molhei as gengivas. Joga o espelho no mar pra Iemanjá, me disse. O espelho brilhou rodando no ar, e enquanto acompanhava o vôo fiquei com medo de olhar outra vez para ele. Porque se você pisca, quando torna a abrir os olhos o lindo pode ficar feio. Ou vice-versa. Olha pra mim, ele pediu. E eu olhei.

Brilhávamos, os dois, nos olhando sobre a areia. Te conheço de algum lugar, cara, ele disse, mas acho que é da minha cabeça mesmo. Não tem importância, eu falei. Ele falou não fale, depois me abraçou forte. Bem de perto, olhei a cara dele, que olhada assim não era bonita nem feia: de poros e pêlos, uma cara de verdade olhando bem de perto a cara de verdade que era a minha. A língua dele lambeu meu pescoço, minha língua entrou na orelha dele, depois se misturaram molhadas. Feito dois figos maduros apertados um contra o outro, as sementes vermelhas chocando-se com um ruído de dente contra dente.

Tiramos as roupas um do outro, depois rolamos na areia. Não vou perguntar teu nome, nem tua idade, teu telefone, teu signo ou endereço, ele disse. O mamilo duro dele na minha boca, a cabeça dura do meu pau dentro da mão dele. O que você mentir eu acredito, eu disse, que nem na marcha antiga de Carnaval. A gente foi rolando até onde as ondas quebravam para que a água lavasse e levasse o suor e a areia e apurpurina dos nossos corpos. A gente se apertou um conta o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro. Tão simples, tão clássico. A gente se afastou um pouco, só para ver melhor como eram bonitos nossos corpos nus de homens estendidos um ao lado do outro, iluminados pela fosforescência das ondas do mar. Plâncton, ele disse, é um bicho que brilha quando faz amor.

E brilhamos.

Mas vieram vindo, então, e eram muitos. Foge, gritei, estendendo o braço. Minha mão agarrou um espaço vazio. O pontapé nas costas fez com que me levantasse. Ele ficou no chão. Estavam todos em volta. Ai-ai, gritavam, olha as loucas. Olhando para baixo, vi os olhos dele muito abertos e sem nenhuma culpa entre as outras caras dos homens. A boca molhada afundando no meio duma massa escura, o brilho de um dente caído na areia. Quis tomá-lo pela mão, protegê-lo com meu corpo, mas sem querer estava sozinho e nu correndo pela areia molhada, os outros todos em volta, muito próximos.

Fechando os olhos então, como um filme contra as pálpebras, eu conseguia ver três imagens se sobrepondo. Primeiro o corpo suado dele, sambando, vindo em minha direção. Depois as Plêiades, feito uma raquete de tênis suspensa no céu lá em cima. E finalmente a queda lenta de um figo muito maduro, até esborrachar-se contra o chão em mil pedaços sangrentos.